Na sexta-feira (16) as entidades dos Militares Estaduais (ASSTBM, ASOFBM , ABAMF e AOFERGS) protocolaram no Ministério Público, uma Ação Civil Pública em face do Estado do Rio Grande do Sul – ERGS e do Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul – IPE Saúde, por violação aos princípios constitucionais da publicidade e da transparência, atentando contra direitos dos servidores públicos e militares do Estado do RS.
A propositura de Ação Civil Pública pede que, antes de aumentar sobremaneira a contribuição dos servidores públicos do RS, se esclareça-se acerca da verdadeira situação financeira do Instituto e dos indícios de apropriação indevida de recursos por parte do Tesouro do Estado.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DR. ALEXANDRE SIKINOWSKI SALTZ
A Associação dos Oficiais da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar – ASOFBM; a Associação Beneficente Antônio Mendes Filho – ABAMF; a Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar e Bombeiros Militares – ASSTBM; e a Associação dos Oficiais do Estado do RS – AOFERGS; todas por seus representantes legalmente constituídos (anexo), vêm respeitosamente perante Vossa Excelência, forte no art. 1º, IV, e art. 5º, I, ambos da Lei Federal nº 7.347/85, oferecer
REPRESENTAÇÃO
para fins de eventual propositura de Ação Civil Pública em face do Estado do Rio Grande do Sul – ERGS e do Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul – IPE Saúde, por violação aos princípios constitucionais da publicidade e da transparência, atentando contra direitos dos servidores públicos e militares do Estado do RS, conforme doravante se explanará.
O Poder Executivo, através do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, encaminhou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei Complementar nº 259/2023, que, em síntese, “Altera a Lei Complementar nº 12.066, de 29 de março de 2004, que dispõe sobre o Fundo de Assistência à Saúde – FAS/RS, e dá outras providências, e a Lei Complementar nº 15.145, de 5 de abril de 2018, que dispõe sobre o Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul – Sistema IPE Saúde –, altera a Lei Complementar n.º 12.066, de 29 de março de 2004, que dispõe sobre o Fundo de Assistência à Saúde – FAS/RS, e dá outras providências.”.
O Governo, como justifica, ponderou: “A presente proposta parte da necessidade urgente de se encontrar alternativas para garantir a sustentabilidade do IPE Saúde, que opera com déficit mensal recorrente, acumulando, assim, uma dívida estrutural e crescente. Diante deste contexto, o projeto em tela é o ponto de partida para garantir a continuidade dos serviços prestados, promovendo uma reestruturação como forma de fortalecer e qualificar o plano de saúde a partir da promoção de seu equilíbrio financeiro.”.
Todavia, é rasa e parcial a justificativa apresentada para onerar sobremaneira os servidores públicos e militares do Estado do RS. A ausência de dados técnicos e o silêncio acerca da dívida que o Estado tem com o IPE Saúde denotam a falta de transparência e de publicidade, pressupostos de validade da justificativa do PLC.
Portanto, nos termos do art. 1º, IV, da Lei Federal nº 7.347/85, vislumbra-se violação ao direito dos servidores públicos e militares do Estado do RS, razão pela qual é imprescindível a presente representação, a fim de que o Ministério Público, no exercício de seu mister, proponha Ação Civil Pública em face do Estado do Rio Grande do Sul e do Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul – IPE Saúde.
2. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA TRANSPARÊNCIA
A política do segredo é incompatível com a consagração da vontade geral por meio da lei, debatida abertamente, como regra, em assembleias com livre acesso do povo. A necessidade de tornar visíveis as relações entre Administração e cidadãos é decorrência do Estado de Direito, e nessa máxima se inspira o artigo 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de que “a sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração”.
A luta pela submissão do Estado ao Direito é também a luta por um poder visível e previsível, que se comporte de acordo com as leis previamente aprovadas pelos representantes do povo. Por trás da exigência de visibilidade estão a necessidade de segurança do direito e a proibição da política do “segredo”, entendida esta última proibição não somente como uma vedação ao arbítrio, mas como um dever de informar por parte do Estado.
A ausência de visibilidade torna nulas as possibilidades de controle popular e de participação do cidadão no exercício das atividades da administração. Destaque-se que a visibilidade necessariamente conferida à administração possibilita o combate à ineficácia das disposições de garantia legalmente instituídas[1].
Os atos administrativos devem ser públicos e transparentes — públicos porque devem ser levados a conhecimento dos interessados por meio dos instrumentos legalmente previstos; transparentes porque devem permitir entender com clareza seu conteúdo e todos os elementos de sua composição, inclusive o motivo e a finalidade, para que seja possível efetivar seu controle. Resumindo em singela frase a reflexão proposta, nem tudo o que é público é necessariamente transparente.[2]
In casu, questiona-se a transparência das finanças do IPE Saúde, cujo déficit atuarial foi confirmado pelo Governo, entretanto, sem demonstrar efetivamente os motivos determinantes que ensejaram tal colapso financeiro, quais são decorrentes de má-gestão, de repasses do Estado não efetuados, ou outras causas que permitam ao povo em última análise e ao Parlamento Estadual em especial, apreciar o conteúdo real da proposta contida no PLC 259/2023, oferecendo segurança ao devido processo legislativo.
Com efeito, há obscuridade na condução do referido projeto de lei por parte do Poder Executivo.
Nessa esteira, é fato notório[3] que o Tesouro do Estado é maior devedor do IPE Saúde, e responsável por 81% do atual déficit do Instituto, que chega ao total de R$ 440 milhões. De acordo com comunicado divulgado pela Contadoria e Auditoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (Cage), a Fazenda Estadual deve R$ 356,6 milhões ao IPE Saúde. A dívida é referente ao pagamento de precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) realizadas pelo Tesouro a servidores públicos que ganharam na Justiça entre 2004 e 2021.
Segundo apontamentos da Cage, ao efetuar os pagamentos dos precatórios e das RPVs, o Estado deveria ter repassado ao IPE Saúde as parcelas correspondentes às contribuições do servidor e da parte patronal. O documento aponta que as transferências não ocorreram até o final de 2022.
Há indícios, portanto, de apropriação indevida de recursos por parte do Tesouro do Estado, cuja investigação ou auditoria jamais aconteceu. Não é crível que, sem diálogo consistente, valendo-se da ausência de transparência (ou seja, beneficiando-se de sua própria torpeza) o Governo tente impingir aos funcionários públicos e militares uma dívida que é própria do Estado.
Para alavancar a ausência de transparência, as informações dão conta de que o próprio Poder Executivo negocia consigo mesmo (Tesouro vs Ipe Saúde) no âmbito da Câmara de Conciliação da Procuradoria-Geral do Estado do RS, uma dívida de tamanha monta, que está gerando reflexos em todos os servidores públicos do Estado.
O acesso à saúde no âmbito Estadual (IPE-Saúde) foi um valor agregado valorado pelos servidores e militares estaduais que escolheram o caminho do concurso público e da prestação de serviços ao cidadão gaúcho. A confiança de que o sistema estadual de saúde estava em mãos de gestores qualificados, com responsabilidade e transparência, não pode ser abruptamente rompida e subvertidos os parâmetros até então em vigor sem que antes se possa aferir publicamente, os fatores que acarretaram a situação alegada pelo Governo na justificativa do PLC, bem como, auditadas as obscuridades imanentes ao processo de gestão.
É um direito dos servidores públicos e militares do Estado, bem como do povo gaúcho, o esclarecimento prévio dos fatos acima descritos. Não há democracia quando falta transparência e, nesse diapasão, os requerentes socorrem-se do Órgão Constitucional Garantidor da Democracia e Transparência para que sejam adotadas as medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos e à garantia do devido processo legislativo por meio de premissas e pressupostos validados.
Diante do exposto, representa-se no sentido de propositura de Ação Civil Pública em face do Estado do RS e do Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul – IPE Saúde, para que, antes de aumentar sobremaneira a contribuição dos servidores públicos do RS, esclareça-se acerca (i) da verdadeira situação financeira do Instituto e (ii) dos indícios de apropriação indevida de recursos por parte do Tesouro do Estado.
Assim, requer-se o recebimento e processamento da presente representação, com pedido cautelar de sobrestamento da tramitação da proposta legislativa até que os pressupostos fáticos assentados na justificativa sejam adequadamente validados.
Porto Alegre, 15 de junho de 2023.
ASOFBM – Cel Marcos Paulo Beck AOFERGS – Ten Paulo Ricardo da Silva
ASSTBM – Ten Aparício Santelano ABAMF – Sd Potiguara Galvam
[1] Motta, Fabrício. Publicidade e transparência são conceitos complementares. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-fev-01/interesse-publico-publicidade-transparencia-saoconceitos-complementares.
[2] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
[3] https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2023/05/auditoria-da-cage-aponta-que-estado-deve-r-3566-milhoes-ao-ipe-saude-em-contribuicoes-vinculadas-a-precatorios-e-rpvs-clhi9jjmk006z015bvya85pdn.html
PROTOCOLO DA AÇÃO
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